sexta-feira, novembro 28, 2008

O governador tem razão!

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A pedido de muitos leitores, aqui segue a transcrição do nosso artigo da última semana no Diário Económico. E ainda os comentários de alguns dos muitos leitores.


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O Governador tem razão!

Por mais competência e idoneidade que tenham os reguladores e seus quadros, fraudes vão continuar a existir. É da natureza humana…

Paulo Gonçalves Marcos

As últimas semanas têm sido pródigas em ataques ao Banco de Portugal e ao seu Governador, a propósito das fraudes alegadamente verificadas no Banco Português de Negócios. Como se o Regulador e Supervisor do Sector Bancário fosse um cúmplice dos alegados vilões que dirigiram o banco de negócios em questão. Não podemos estar mais em desacordo com esta visão. Em nosso entender o Banco de Portugal tem estado à altura dos acontecimentos. A Supervisão funcionou. E tem impedido que outros potenciais casos tenham surgido no mercado português. A falência de bancos é uma coisa relativamente comum. Aliás, a falência de empresas é uma realidade insofismável de qualquer economia de mercado: pune quem não conseguir captar e fidelizar clientes. Mesmo a falência fraudulenta, quiçá sonante de grandes bancos é, no panorama internacional, menos que rara. Sem querer entediar o leitor, vale a pena relembrar algumas. Aqui ao lado, em Espanha, o caso Banesto. Conde, o empresário mais admirado, à época, pelos espanhóis, em quem os conservadores do país vizinho depositavam grandes esperanças de rivalizar com o socialista primeiro-ministro Filipe Gonzalez, liderou a fraude, cometida curtos meses após um aumento de capital de 700 milhões de euros (M€), intermediado pelo sóbrio e sólido J.P. Morgan (que haveria de subscrever, em simultâneo, para um fundo seu, 175 M€, tornando-se no maior accionista do Banesto!). O buraco, detectado pelo Banco de Espanha, foi de 4.000 M€. Poderíamos continuar a lista enumerando casos espectaculares em que a não existência de controlos e de sistemas de cumprimento eficazes, tornaram possíveis a falência do mais que centenário Barings Bank (obra de Nick Leeson) em 1995 com uma perda superior a 1.200 M€; a perda de 800 M€ do Daiwa Bank (1995) no Japão; outra perda de 5.000 M€ na Société General, em França, no início de 2008; pelo meio outras que deram brado à época: Amaranth Advisors, um ‘hedge fund’ que especulava contra o preço futuro dos contratos do gás (2006) ou o Bank of Credit and Commerce Internacional (1991) onde os príncipes árabes se viram chamuscados. Portanto, o caso BPN é um fenómeno não exclusivamente português, incidindo também em praças e mercados financeiros tidos como os mais sofisticados e regulados do mundo. A existência de fraudes, no sistema financeiro ou noutros (Enron, Parmalat,etc), é normalmente função de um triângulo pernicioso: oportunidade detectada + pressão (para apresentar resultados) + racionalização (auto explicação para o comportamento desviante). A ganância também pode causar erosão nos valores éticos individuais e facilitar a racionalização em termos que seriam inaceitáveis. Contudo, muitos dos prevaricadores são influenciados pelo meio envolvente, mormente por colegas e pela cultura da empresa. Pelo que estas devem ter políticas éticas bem explícitas. Permanentemente zeladas pela Gestão de Topo. O caso BPN ilustra apenas a falha generalizada do estabelecimento de um conjunto de Políticas e Procedimentos de Ética de negócios e a forma mitigada como Valores Éticos eram guião da orientação profissional. Por isso, não são os sessenta técnicos do Banco de Portugal afectos à Supervisão Prudencial que são poucos. Parece-nos que o número ou a qualidade destes e do seu trabalho (lendária no mercado português, pela positiva, atente-se) são adequados e comparam bem com as práticas internacionais, mais a mais considerando o pequeno número de instituições sedeadas em Portugal. Quiçá a ausência de experiência em Banca Comercial ou de Investimento de quadros e dirigentes do Banco de Portugal possa ser uma pequena desvantagem relativa. Quiçá, igualmente, a opção do Banco de Portugal em querer regular coisas bem menores, como campanhas publicitárias ou os folhetos dos produtos financeiros, tenha desviado a atenção e a energia da gestão de topo e dos quadros do Regulador. Mas isso não invalida dizer que o Banco de Portugal e o seu Governador não são prevaricadores; o número de casos e incidências verificados no mercado português é mínimo e sem a gravidade que outros mercados experimentaram. E que a actuação do Banco e do seu Governador foi correcta do ponto de vista técnico. Enquanto árbitro, mas não jogador. Não lhes competia escolher os bancos vencedores no jogo do mercado. E por mais competência e idoneidade que tenham os reguladores e seus quadros, fraudes vão continuar a existir. É da natureza humana…Basta que o triângulo pernicioso esteja presente.

www.antonuco.blogspot.com
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Paulo Gonçalves Marcos, Economista, gestor e professor universitário

Comentários
Paulo Curto de Sousa (curtodesousa@gmail.com)
Estranho é que já se falava antes do verão da situação complicada do BPN e, aparentemente, só agora se fez alguma coisa. Ter-se-á aproveitado o rebentamento da "bolha do subprime" para justificar a actuação? Abraços
Inês Gil Forte
Criticar o que é nosso e esquecermos o que é dos outros está no nosso sangue de Portugueses e é assim em muito do que nos envolve, sempre que algo nos acontece é sempre pior que da fronteira para fora. Aliás, como mera observadora destas questões...acho que o comum dos mortais em Portugal nem se lembra ou nem sequer sabe do que se passa lá fora, por isso Paulo, acho importante relembrar, lembrar ou contar como é e o que se passa no resto do Mundo, que nós tantas vezes tentamos esquecer! Ética...uiii...depende de cada um a definição de ética nestas questões e quais os pontos a ter em conta e quais se esquecem! Uma vez mais...parabéns pela coluna.
Paulo Lage (paulo.d.lage@gmail,com)
Caro Paulo Marcos, O problema , não reside na capacidade de regulação do Banco de Portugal, mas na capacidade de actuação celere e isenta do nosso sistema judicial. No caso Banesto , o Empresario Mario Conde foi julgado, condenado e preso. Aqui , tenho as minhas duvidas que algum dos alegados prevaricadores " vá dentro" !! O que também não entendi, como simples contribuinte, foi a razão da nacionalização do BPN. A situação foi criada por alegadas fraudes e negocios ilicitos , não como resultado da crise financeira. Será que os estado quer segurar os seus investimentos no BPN? Será que alguma classe politica esta envolvida? Se de nada disto se trata porque, numa logica identica, o governo não nacionaliza as Pirites Alentejanas? O precedente foi aberto . E agora? Expliquem-se!! Parabens pelo artigo!
vg
Pois caro Paulo,o que o governador fez foi ignorar alertas que lhe foram enviados.E isso não é uma questão de Sherlock Holmes ,mas de sair do torpor em que funciona
Antonio Moreira
O Banco de Portugal não é o Polícia do Mercado. Fraudes são inevitáveis. Falta saber se deveria ter actuado mais incisivamente quando nos últimos anos o BPN se alcandorou a um plano de expansão desenfreado.
Sofia Conde Maior
Bem, é uma opinião que vai contra quase tudo o que foi escrito por todos os outros comentadores...apesar de a lógica ser inatacável, ainda custa a engolir...
Fenix
Afinal, para que serve esta instituição? Valerá a pena ser mantida, se a sua actuação é assim tão limitada, e tão ronceira?
NapoLeão
O prof. PG Marcos deve ter acabado de aterrar na Portela ! Percebe-se que economista "defenda" economista. Por quem sois...
Luís Brites (ljbrites@gmail.com)
Caro Paulo, parabéns pelo artigo, de facto tudo está na natureza humana e quer gostemos mais ou menos da actuação (ou da celeridade da mesma) do Governador do BdP é um facto que em todo o mundo surgem estes problemas, trata-se de uma questão de (falta de) ética e ganância desmesurada..sobretudo deverá ser feita uma aprendizagem para não se repetirem (ou tentar que) estes desastres de graves consequências na confiança do mercado e quiçá no bolso de quem confia no mesmo, a questão levantada anteriormente pelo Paulo Lage é particularmente importante ou seja, os eventuais "prevaricadores" o que lhes irá acontecer em termos necessariamente punitivos se se provarem de facto (e a tempo) todos os graves indícios já conhecidos?
Legru
Se desde 2002 eram conhecidas as irregularidades no BPN porque é que BdP não actuou até agora? - E vou mais longe: Até que ponto foi Miguel Cadilhe a fazer aquilo que caberia ao BdP fazer, isto é, pedir uma auditoria (que deveria ser feita em devido tempo pelo BdP)e, em consequência desta, apresentar denúncia na PGR. Por último lembro a todos os meus colegas contribuintes que estamos a pagar a 1800 funcionários do BdP que, ao que parece nada fazem.
Leandro Coutinho (L_Coutinhofr@Yahoo.fr)
Até que enfim que aparece alguém com uma visão/análise lúcida sobre o que é a supervisão bancária e o que o BdP pode e não pode fazer dentro do enquadramento que a mesma tem.. Eleger o governador do BdP como bode expiatório tem sido a norma por parte de gente que não sabe sequer enumerar as funções do banco Central tal como são listadas numa qualquer sebenta da cadeira de Introdução á Economia no 1º ano da faculdade.. Aconselha-se os nossos opinativos personagens que invertam a sua metodologia.. Primeiro desenvolvam conhecimento e depois produzam análises.. (é que, entre nós, em geral, passa-se o contrário)..
João Costa Pereira (costapereira.joao@gmail.com)
Caro Paulo, Concordo com tudo. Fraudes vão sempre existir e cabe antes de mais à forma de governação das sociedades, ao seu controlo interno e de compliance, assegurar a rapida detecção de situações irregulares e a sua eliminação. Mas algo correu mal no BP. Este existe precisamente para os casos em que se verifica num Banco a total incapacidade para suprir por sí uma inconformidade. O que critico no BP é o facto de isto não ser caso novo. É o facto de teram levado anos a actuar quando em todo o sector financeiro (desde 2002 pelo menos) que se comentava que "aquilo lá no BPN é uma pouca vergonha". E fica a impressão (para não dizer certeza) que só agiram porque a bomba rebentou-lhes em cima e foram obrigados a isso.
LL
E pronto, com o argumento de que problemas de supervisão existem noutras paragens, está lavada a culpa do nosso Banco de Portugal! Independentemente dos casos referidos e da sua diferença na natureza, indícios e duração da prevaricação, não são falhas alheias que desculpam a incúria do BdP. Seguindo esse raciocícnio, a natureza humana é como é, vão sempre existir fraudes, o supervisor não as vai detectar... concluindo: não vale a pena supervisionar. Então acabe-se com a supervisão, pois se esta funciona como um tigre de papel, já todos os supervisionados perceberam que o BdP é verbo de encher. Haverá certamente lugar para os 1700 excedentários, pois os 60 da supervisão nada fazem e os otros produzem umas informações inúteis que o país já recebe de várias entidades externas, que até são hitoricamente mais credíveis nas suas previsões. Uma última palavra para os prevaricadores: são sem dúvida os primeiros culpados de toda a situação. Se o polícia que assobia para o lado é incompetente e deve ser demitido, o ladrão é criminosos e deve ser preso. Já que o polícia BdP nada fez que o façam os lesados (accionistas).
JR (jralha59@gmail.com)
Abaixo a "bófia", vivam os ladrões......!!! Os complexos revolucionários continuam a existir. Pelo que se tem lido e ouvido, até parece que quem conduziu o BPN para a "falência".......... foi o Banco de Portugal. Opiniões de técnicos qualificados e experientes como é o caso do autor do artigo, são um excelente contributo para o esclarecimento dos leigos, que somos quase todos.
JBG
A situação verificada com o G.B.P. e os casos actuais que têm vindo a público, demonstra que nem todos os sistemas são perfeitos e, consequentemente, falíveis. Parece-me evidente o aparato desta situação é um resultado de um sem número de situações políticas que já vêm de trás e cujas desconfianças estão a culminar, agora de um modo mais energético. Ainda voltando a outra questão, na minha opinião pessoal, no caso do BPN, a nacionalização parece ter sido apressada por algo que não sabemos. Hoje, como por magia, cerca de 3 semanas depois, já ninguém fala no caso (entenda-se alguém como C.Social e órgão de pressão)... Estranho não? Mas em relação ao artigo, concordo inteiramente com a análise e confronto da Técnica com a Ética, e que, felizmente e aparentemente, são poucos os casos que escapam ao regulador... No entanto, custa saber que, sendo tão poucos os bancos regulados, possam escapar alguns assim de um modo aparentemente tão fácil. As consequências de situações como as que vieram a público do BCP e BPN e de outros, mas de forma mais leve, pôem em risco a confiança dos depositantes que, essencialmente, são quem dão a solidez e estabilidade financeira a este sector. Imaginemos só o que aconteceria se, de repente, todos os depositantes resolvem resgatar os seus depósitos para colocar debaixo do colchão? Seria um colapso total do sector. O regulador tem de ter mais ferramentas e instrumentos de análise para poder agir em conformidade, sob o risco de lhe ser imputado a responsabilidade, como tem sido o caso.

1 comentário:

Maria Teresa Loureiro disse...

Caro Paulo Marcos,
Depois de tudo o que foi escrito, não há mais nada que possa acrescentar. Continuo a achar que o governador do BP devia demitir-se, independentemente da causa da suposta ignorância em relação à questão BPN: cegueira temporária, inexperiência em Banca Comercial e de Investimentos, regulação de "nichos", surdez permanente? Nada disto interessa, o que interessa é a falha evidente do BP nesta questão e o assumir da falha, independentemente da razão. Não compreendo, ou melhor não aceito, esta condescendência escorregadia generalizada para com os nossos "governantes" e afins. Os interesses pessoais falam sempre mais alto, aparentemente. É uma pena não sermos educados desde crianças a assumir as nossas responsabilidades e dar a cara pelas nossas falhas.

Retomando as palavras de Humberto Delgado: "Obviamente, demito-o!"
Maria Teresa Loureiro