O significado político da discussão do orçamento de Estado em muito transcende a mera contabilização dos resultados da votação. E o fenómeno Diogo Campelo é a chave para compreendermos o quanto está em causa.
Campelo, que não conhecemos pessoalmente, assumiu um muito mediático papel de autarca e de deputado. O seu duplo papel permitiu-lhe assumir-se como um defensor das gentes do Alto Minho, na linha da tradição anglo-saxónica de "member of parliament".
Em Inglaterra, cada deputado ao parlamento de Westminster é eleito em círculos uninominais, maioritários a uma só volta. Cada círculo eleitoral elege, assim, um e só um deputado. Desta forma a ligação e as lealdades do deputado estão não somente com o partido, sob o qual foi eleito, mas também com os seus eleitores.
Apesar do imenso clamor de indignação ao "negócio" entre o deputado e o governo, julgamos que as questões centrais não foram ainda colocadas. Estas parecem-nos ser as seguintes:
- é eticamente defensável a acumulação de cargos públicos?
- É legítimo a um autarca interromper, quando lhe aprouver, a sua função de presidente de câmara, assumindo, esporadicamente, o papel de deputado?
- Deve um deputado representar o Povo (como se parece depreender do artigo 147 da Constituição) e exercer o seu mandato de forma livre (art. 155), ou deve alinhar o seu voto com os interesses da direcção do seu grupo parlamentar?
- Se o orçamento fosse viabilizado por acordo com um pequeno partido ou grupo de deputados (exemplos: verdes, bloco de esquerda, PSD/Madeira) teria atendido a negociação mais a interesses ideológicos do que a interesses particulares (ou locais)? E seria isso negativo ou positivo?
Adicionalmente podemos dizer que o grande mérito de Campelo foi o de trazer a imprevisibilidade ao Parlamento, fazendo com que este transmita uma maior diversidade de opiniões. Os cidadãos, habitualmente alheados dos assuntos e debates parlamentares, desataram a discutir o orçamento e a votação do mesmo, trazendo à ribalta uma paixão que se julgava já há muito perdida…
Deputados que se comportam como Homens-Livres, que defendem aqueles que os elegeram, são decerto bem-vindos à democracia portuguesa ao estimularem o debate e participação cívica, num país que se revela apático em termos de vivência política dos cidadãos.
Terá o exemplo de Campelo vindo para frutificar?
Paulo Gonçalves Marcos
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