Há dias, quem passasse por Silves a caminho de São Bartolomeu de Messines depois do Sol posto nem daria pelo monumento manuelino à saída (ou entrada, claro) da última cidade reconquistada aos mouros. Ao contrário do Castelo, da Sé e das muralhas avermelhadas, a Cruz de Portugal perdia-se na escuridão envolvente, apesar dos holofotes lá estarem – mas estranhamente apagados.
Acesos, bem acesos, estiveram esta semana para José Sócrates, nos estúdios da RTP.
O primeiro-ministro e líder do PS partiu para a entrevista à televisão pública à reconquista da maioria dos cristãos.
Se o conseguiu, ou não, logo se verá.
Para já, a mês e meio das eleições europeias e a mais do dobro das legislativas e das autárquicas, pouco importa. Porque meses, em política, é demasiado tempo.
A prestação televisiva de Sócrates esteve abaixo do sofrível.
Não convenceu. Nem com as cantigas de amigo, a propósito das relações entre S. Bento e Belém e das políticas sociais em tempo de crise aguda, nem com o escárnio e maldizer, com que pretendeu menorizar o desgastante caso Freeport e a difícil coabitação do seu Governo com a comunicação social livre e incómoda.
Vejamos por partes.
A afirmação da paz institucional reinante entre o Presidente da República e o primeiro-ministro vale o que vale. Ou seja, nada.
A habilidade nas palavras não infirma os factos. E a insistência na negação dos alvos dos avisos críticos do Presidente e dos remoques do Governo chega a atentar contra a inteligência dos espectadores.
A paz institucional não está em causa? Então, para quê afirmá-la?
«Perante os grandes desafios que se colocam a Portugal, entendo que do Presidente da República não se pode esperar uma simples promessa de lealdade institucional em relação aos demais poderes do Estado. O Presidente da República deve empenhar-se numa autêntica cooperação estratégica em torno dos grandes objectivos nacionais, com os restantes órgãos de soberania e, em particular, com o Governo legítimo de Portugal». As palavras são de Cavaco Silva, não agora – em plena e profunda crise –, mas no acto de tomada de posse como Presidente da República, há três anos. No acto em que a expressão ‘cooperação estratégica’ passou a fazer parte integrante do dicionário político português.
A paz institucional, na leitura do próprio Cavaco Silva, é o mínimo que pode esperar-se na relação entre Presidente e demais órgãos de soberania – e nomeadamente o Governo.
O que está em causa é, infelizmente, muito mais do que a paz institucional entre S. Bento e Belém.
É a confiança do Presidente na acção do Executivo.
Essa, sim, manifestamente abalada.
Abalada desde o grotesco episódio do Estatuto dos Açores – em que o Presidente tornou claro aos portugueses que os líderes partidários, incluindo o líder da maioria socialista e primeiro-ministro, não honraram os compromissos que perante si assumiram – e, sobretudo, pela pesporrência do Governo na rejeição de qualquer tipo de cooperação dessintonizada das opções ou soluções que preconiza.
Na RTP, José Sócrates deu razão a Cavaco Silva. O Governo faz orelhas moucas aos alertas e conselhos do Presidente. E diletantemente recusa a ‘cooperação’ oferecida.
Como deu razão às críticas de falta de visão estratégica e de um verdadeiro plano de combate à crise e de desenvolvimento sustentado.
Sócrates limitou-se a enumerar soluções avulsas e, essencialmente, conformadas medidas de acção e apoio social.
Que não têm nada de mal. Pelo contrário.
Mas pode e deve um primeiro-ministro regozijar-se com o aumento aos milhares dos beneficiários do subsídio social de desemprego? E do subsídio social de reinserção? E das bolsas de estudo? E do apoio às famílias no limiar da pobreza?
Finalmente, o Freeport e a comunicação social.
Sócrates reagiu mal às perguntas sobre o caso Freeport.
Em primeiro lugar, porque o tema é demasiado sério para poder dele escarnecer. O bom nome não se defende rindo perante perguntas incómodas ou maldizendo os jornalistas ou órgãos de comunicação social que não se limitam a ser pé de microfone ou a informar segundo critérios que mereçam a aprovação do Governo.
Em segundo lugar, porque o problema não reside na legalidade das decisões tomadas, mas na honestidade e licitude dos processos que precisamente permitem sustentar a conformidade à lei de tudo o mais.
Sócrates continuou sem esclarecer o essencial – como, aliás, bem sabe e resulta da afirmação de que o Freeport é uma «provação» ou «cruz» que tem de «carregar às costas».
Na verdade, não tem. Ou não teria. A cruz, o diabo que a carregue.
Se confia na acção da Justiça e legitimamente exige celeridade nas investigações, não se percebe por que não toma a iniciativa de ir ao processo prestar todas as informações e esclarecimentos que os investigadores entendam necessários para definitivamente apurarem e concluírem o que tiverem de apurar e concluir.
Sócrates, como qualquer outro cidadão, goza da presunção de inocência.
Não seria nenhuma assumpção de culpa exigir ser ouvido, para provar a sua inocência em sede própria.
Os portugueses agradeciam que tudo estivesse devidamente esclarecido o mais rapidamente possível.
Para que não restassem dúvidas na hora de votar.
E Sócrates devia lutar por isso, em vez de conformar-se em carregar a cruz.
O pior que lhe pode acontecer e aos portugueses é verem-no a ele, face à ausência de alternativa credível, como a cruz que têm eles de continuar a carregar.
Enquanto Portugal caminha em suplício para o calvário.
E sem que se veja uma nesga de luz ao fundo do túnel.
1 comentário:
já lá vai o tempo em que o Sr Primeiro Ministro era considerado pelo El Mundo um dos homens mais elegantes do Mundo...
Agora, começa a ter olheiras e denota-se cada vez mais a sua faceta irritadiça...Deve ser da cruz...
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