Partilhamos com José António Saraiva a forma pouco consensual como analisamos a realidade política. Em tertúlias várias não raro encontramo-nos a defender, as mesmas posições, em posição muito minoritária...
Transcrevo a coluna do jornal Sol, sobre o conflito Cavaco versus Sócrates...
A COOPERAÇÃO estratégica, expressão que basicamente não queria dizer nada, deu lugar à guerra fria.
Na sexta-feira da semana passada, Cavaco Silva – sem nunca nomear o Governo – afirmou que «seria um erro muito grave» optar por políticas erradas «na ânsia de obter estatísticas mais favoráveis e ocultar a realidade».
Na terça-feira desta semana, numa entrevista que só pode ter tido como objectivo responder ao Presidente da República, José Sócrates garantiu que as observações de Belém não se dirigiam ao Governo – mas lá foi avisando que Cavaco não devia «deixar-se instrumentalizar pela oposição».
Cavaco manda recados ao Governo sem especificar quem é o destinatário – o Governo finge não perceber a quem o Presidente se dirige mas responde às suas críticas.
É UMA situação bizarra, convenhamos, um jogo de escondidas, do gato e do rato, em que ninguém quer mostrar-se à luz do dia.
Por isso lhe chamei guerra fria.
O Presidente da República dispõe da bomba atómica – a demissão do Governo – mas obviamente não a quer usar, porque seria ele o maior prejudicado.
O Governo não quer afrontar o Presidente, porque isso teria custos muito elevados, ainda por cima em ano eleitoral.
SINCERAMENTE não sei onde isto irá parar.
Uma coisa é, para já, evidente: Cavaco discorda do modo como o Governo tem enfrentado a crise, acha que o Governo tem ignorado os seus avisos (e eventualmente os seus conselhos), entende que o Governo, em vez de aproveitar a sua experiência, faz orelhas moucas ao que ele diz – e até o afronta.
Cavaco entende que Sócrates despreza os seus ensinamentos, porque se quer afirmar.
Estamos perante dois homens ambiciosos, um que já foi primeiro-ministro e outro que o é, dois homens de famílias políticas não só diferentes mas concorrentes, dois homens cuja vocação é entrarem em competição e em conflito.
As coisas são o que são e não vale a pena iludirmo-nos.
Cavaco Silva ainda poderia admitir um primeiro-ministro do Partido Socialista, desde que ele seguisse os seus conselhos e funcionasse um pouco como seu discípulo.
Mas Sócrates é o oposto: é o tipo de aluno que desafia o mestre.
E Cavaco não suporta ser desafiado.
DEVE dizer-se que o papel de Cavaco Silva é, neste momento, infinitamente mais fácil do que o de Sócrates.
Porque ao Presidente basta dizer que as coisas estão mal – enquanto o Governo tem de encontrar soluções.
E todos conhecemos o abismo que vai da enunciação dos problemas à sua resolução.
O Governo tem de fazer – ao Presidente basta-lhe falar.
Cavaco Silva está hoje na situação em que Soares estava quando criticava os seus Governos.
Também aí a posição de Soares era cómoda – fazendo desesperar Cavaco e levando-o a desabafos como o célebre «Deixem-nos trabalhar!».
Os papÉis inverteram-_-se – e quem está hoje na posição confortável é Cavaco Silva.
Mas como deve entender-_-se esta sua ‘ofensiva’ neste momento?
Ela limita-se, apenas, ao desejo de ver Portugal no ‘rumo certo’ – ou é mais do que isso e visa evitar que o PS tenha outra vez maioria absoluta?
Cavaco ainda acredita neste Governo – ou já não acredita, acha-o irrecuperável e quer impedir, por todos os meios, que ele continue a dispor de um poder absoluto?
Esta é a questão.
SEMPRE tenho defendido que o PS deverá repetir em Setembro a maioria de há quatro anos.
E ainda não mudei de opinião.
Um analista precisa de ter a cabeça fria – e não pode confundir a nuvem com Juno.
Mas começa a haver demasiados problemas.
É a crise, que agrava constantemente as expectativas – e coloca o Governo no banco dos réus, mesmo quando não tem culpa nenhuma.
São as críticas continuadas do Presidente da República.
É o caso Freeport.
São as flutuações de humor de Manuel Alegre, quando não as alfinetadas de Mário Soares.
São as más prestações de Vital Moreira na pré-campanha das europeias...
Além disso, Sócrates começa a dar ideia de um animal acossado – o que, para um político que vive muito da imagem, não é nada bom.
A política portuguesa, depois de uma fase de domínio completo do PS, dá agora sinais de alguma imprevisibilidade.
De um momento para o outro tudo parece ter ficado em aberto.
É também isto que torna a política atractiva.
Sem comentários:
Enviar um comentário