quinta-feira, agosto 14, 2008

África e Português




África e português

Angola e Moçambique precisam desesperadamente de mais quadros qualificados e de maior esforço de formação nos mesmos.

Paulo Gonçalves Marcos

Fizemos, recentemente, viagens a Angola e a Moçambique, mais concretamente a suas cidades capitais. A confirmação, antes de mais, de que continuam a ser cidades de beleza ímpar. Plenas de encanto e magia. A gentileza de amigos, locais e expatriados, o contacto com empresas, quadros e, amiúde, com anónimos cidadãos, deram-nos a oportunidade de partilhar com os leitores do Diário Económico a nossa percepção do que está a acontecer nestes países e como seria desejável que evoluísse o seu processo de desenvolvimento. No início de Julho, Portugal formalizou o perdão da dívida externa de Moçambique para com o nosso país, avaliada em 249 milhões de euros. Mais que o contemporizar com o passado, um voto de confiança no futuro. E na Filda 2008, a grande montra das actividades económicas de Angola, a que o primeiro-ministro português dedicou uma visita, Portugal foi distinguido com os prémios de “melhor participação estrangeira” e de “maior representação oficial”. Em Maputo e Luanda, a primeira surpresa, a de verificar que em ambas as cidades se respira uma atmosfera efervescente de ambição, de espírito empreendedor, como se o céu fora o limite da imaginação e da acção humana. Vontade de reconstruir e de investir. Empresas com produtos e serviços inovadores, ao nível do que de melhor se faz nos mercados de primeiro mundo. Especialmente verdade nas telecomunicações, nos serviços financeiros e nas bebidas. Fez-nos lembrar a atmosfera que se respirava em Portugal em meados da década de oitenta…A mesma energia criativa. Claro que o estádio de desenvolvimento de Angola e Moçambique faz com que as prioridades tenham que ser diferentes de uma sociedade europeia. No caso daqueles dois países existem muitas similitudes: recuperar infraestruturas físicas; substituir importações de produtos essenciais; qualificar recursos humanos nas áreas da gestão de empresas (e Administração Pública), ensino, engenharia, medicina. Vitais para consolidar os avanços económicos e sociais da última década e preparar ambos os países para a integração nos fluxos comerciais internacionais. Esta integração, relembre-se, foi vital para que países do Extremo Oriente saíssem de situações de pobreza e devastação pós guerra (veja-se o paralelismo com ambos os países africanos), e se alcandorassem a patamares de desenvolvimento que hoje parecem invejáveis para os padrões africanos. Indonésia (com uma guerra civil), Coreia do Sul (guerra, civil?), Tailândia, Malásia, entre outros, à laia de exemplo. Como excelente base de partida o facto de quer em Angola quer em Moçambique se encontrarem quadros qualificados, de muito boa craveira intelectual e técnica. Com formação universitária e experiência profissional de cariz internacional que os expôs a sociedades e mercados mais sofisticados. Cerca de 50.000 portugueses em Angola (a maioria qualificados) e um número inferior em Moçambique (metade?), a que se juntam um contingente significativo de quadros locais que regressaram aos seus países de origem (frequentemente com carreiras de dez ou mais anos em Portugal). Mas aqui parece estar o principal constrangimento. Ambos os países precisam, desesperadamente, de mais quadros qualificados e de maior esforço de formação nos mesmos (sem surpresa, o Brasil financiou a construção de uma academia de formação para quadros superiores da Administração Pública Angolana…). Por isso a presença do primeiro-ministro português na Filda 2008 ou mesmo a intenção de reforçar o contingente de professores portugueses (nos ensinos básicos e secundário) são relevantes, mas quiçá insuficientes do ponto de vista estratégico. Uma política de concessão de vistos de trabalho e de turismo, mais expedita e menos burocrática, para nacionais lusos ou africanos; coadjuvada por uma política de bolsas de estudo no ensino superior português a jovens africanos de elevado potencial; e complementada com uma aposta na formação de executivos e quadros da Administração Pública parecem-nos vitais para assegurar a manutenção de elevadas taxas de crescimento em Angola e Moçambique e relações comerciais intensas entre estes países e Portugal. De facto, se não o fizermos quanto antes, a aposentação e eventual falecimento de elites portuguesas e africanas que estudaram juntas na então metrópole, ditarão a perda de influência económica portuguesa, com resultados potencialmente nefastos para os três países.

www.antonuco.blogspot.com

Comentários
Antonio Moreira
O ponto relevante prende-se, como diz o autor, com a mobilidade de pessoas entre os países africanos e Portugal. Sem essa, nada feito.
Maria Jesus Chapelle
Parabéns ao jornal que há vários dias dedica uma importância considerável a Angola. Parabéns ao autor, pela síntese e pela perspectiva. Pena que o Dr. Luís Nazará, na grande entrevista de hoje, não tenha percebido a relevância estratégica de África.
Paulo Curto de Sousa (curtodesousa@gmail.com)
Não podemos arriscar perder a influência económica, diplomática e social nos países de língua oficial portuguesa. E principalmente nestes 2 em virtude do potencial que encerram. Não nos esqueçamos que mais de metade das nossas exportações são para países onde se prevê um período de recessão muito em breve. Torna-se fundamental incrementarmos relações económicas em países onde a crise parece "ter passado ao lado" e onde se prevê um crescimento muito rápido brevemente. Com as afinidades linguísticas e históricas que temos com estes países seria um desperdício não os apoiarmos no esforço de desenvolvimento, tornando-nos parceiros privilegiados e assim incrementar as nossas exportações. Semear para depois colher... Abraços.
vg
Quando parte a sua próxima caravela , a ver se me inscrevo...?
João Pedro Neto
Excelente Artigo. Um abraço e boas férias ou bom trabalho, JPN
Miguel Monjardino
Caro Paulo Gonçalves Marcos, As "coisitas simples" dão sempre muito trabalho. Gostei muito. Espero que esteja bem. Miguel Monjardino
Paulo Marcos (paulo.marcos@marketinginovador.com)
Caro Vg estava com saudades! como calcula não tenho nenhuma...mas por isso podemos escrever com mais independência, não acha? As melhoras.
MAVERICK
Angola? Fiem-se e depois não se surpreendam! Moçambique? Seguramente!
Raquel Seabra
Ola Gostei muito do seu artigo! Quanto mais estou fora do país mais sinto vitais as relaçoes com os PALOP. Que Angola e Moçambique não sejam como o Brasil em que claramente apanhamos o comboio ja muito tarde... Espero que esteja tudo bem por Lisboa. Um beijinho, Raquel
Raquel Seabra
Ola Gostei muito do seu artigo! Quanto mais estou fora do país mais sinto vitais as relaçoes com os PALOP. Que Angola e Moçambique não sejam como o Brasil em que claramente apanhamos o comboio ja muito tarde... Espero que esteja tudo bem por Lisboa. Um beijinho, Raquel
Jose R.
Paulo A tua análise está correctissima.
João Calqueiro
Um artigo bastante interessante sobre a realidade desses dois países que tantas ligações têm a Portugal. Mas grande parte dessas ligações dizem respeito ao passado pelo que é necessário renova-las para que esses países possam crescer com o apoio dePortugal, com tal as empresas portuguesas terão a acesso a um mercado de uma riqueza natural tremenda e com um potencial de crescimento elevadissimo. Concluir destacando esse espirito empreendedor e a força de vontade existente, mas tal não chega sem know how

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