sexta-feira, junho 27, 2008

O Presidente não tem razão


O Presidente não tem razão

Num mercado global, quem produz valor de nível excepcional tem uma utilidade muito maior que os meramente muito bons…

Paulo Gonçalves Marcos

A questão do valor tem apaixonado gerações sucessivas de pensadores, em geral, e de economistas, em particular. Adam Smith, David Ricardo, Marx, Jevons, Marshall, entre outros, dedicaram considerável atenção a responder à questão do que é que determina o valor (e o preço que é pago) de algo. Raridade, quantidade de trabalho e capital incorporado, primeiro; mais tarde, com os marginalistas, a resposta definitiva: o valor de um produto ou serviço é determinado pela utilidade da última unidade. Isto leva-nos à famosa frase de Giovanni Trapattoni, último campeão pelo Benfica: “um excelente treinador aumenta em 10% o desempenho de uma equipa, face a um meramente muito bom treinador; mas um mau treinador pode amputá-la em mais de 50%”. Uma primeira pista, que ajuda a explicar a razão porque os super-gestores têm remunerações muito mais elevadas que o comum dos trabalhadores. Uma economia globalizada implica que certos produtos e serviços são alvo de uma procura global. Produtos de luxo, música ‘pop’ ou futebol são verdadeiros produtos globais, no sentido de serem iguais em todos os mercados.

Para além destes, os talentos dos profissionais qualificados de natureza intelectual (engenheiros, médicos, investigadores, arquitectos) ou de Economia e Gestão, passaram a ser disputados e cotados no mercado do talento global. Tal como já sucedia com as super-modelos, desportistas ou cantores. O acesso ao mercado global implica o acesso a um número incomparavelmente superior de clientes, que aquilo que os mercados domésticos poderiam proporcionar. E isso fez disparar o valor dos talentos globais. Sejam eles um futebolista da selecção nacional ou o CEO de uma empresa cotada na Euronext.

A Teoria Financeira ensina-nos, contudo, que existe um potencial conflito de interesses entre os gestores das sociedades anónimas (preferencialmente cotadas em bolsa e com o capital bastante pulverizado…) e os accionistas. Estes querem uma remuneração adequada para o risco de comprarem acções das empresas; os gestores querem maximizar as suas remunerações e a sua longevidade no cargo. Quanto mais atomizados forem os accionistas, mais poderosos se tornam os gestores das sociedades. Como o caso recente de um grande banco português ilustrou à saciedade… Na busca dos seus fins, os gestores tendem a prosseguir estratégias de crescimento, mormente por via de aquisições. Com isso aumentam o volume potencial de receitas (e de lucros, espera-se) e tornam mais difícil, pela dimensão acrescida, que as empresas que gerem sejam alvo de uma OPA hostil.

Depois, basta ligar a remuneração variável dos gestores à dimensão (que não à rendibilidade dos capitais investidos…) dos lucros da nova sociedade resultado da fusão, para que a remuneração dos citados gestores seja estupenda… Chamam a isto os economistas os problemas inerentes à Teoria da Agência e ao conflito de interesses entre o Principal (o accionista) e o seu Agente (o gestor). Compete, então, às autoridades regulatórias tornar as remunerações executivas mais transparentes e públicas nas sociedades cotadas. Averiguar a independência das Comissões de Vencimentos. Ou seja, separar os jogadores no mercado do talento global dos meramente apropriadores de rendas económicas. Entendidas estas no sentido de que são ganhos anormalmente elevados, predadores e não conformes a concorrência nos mercados.

Pugnemos pela transparência e pela imprensa livre e independente, enquanto verdadeiras restrições ao eventual comportamento predatório de alguns. Por isso, apenas invectivar os gestores é demagógico: num mercado global, quem produz valor de nível excepcional tem uma utilidade muito maior que os meramente muito bons…sejam eles futebolistas, treinadores ou gestores… Algo que os economistas sabem desde o final do século XIX!

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Paulo Gonçalves Marcos, Economista

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