quinta-feira, setembro 25, 2008

A República Bolivariana da Europa e o Supervisor




A República bolivariana da Europa e o supervisor

Uma ideia singular: a publicidade, tal como a liberdade de imprensa, é nefasta para os consumidores…

Paulo Gonçalves Marcos

Escrevemos hoje sobre um pequeno país, ficcionado, de forma rectangular, banhado pelo Oceano. Imagine o caro leitor que um dos seus supervisores, se habituou a uma vida complacente, típica de organizações sem concorrência: altas remunerações para os seus gestores, pouca ou nenhuma efectividade no trabalho que deveria desempenhar: o de supervisor! Neste país, um grande banco iludiu os reguladores, anos a fio, com práticas pouco menos que recomendáveis: empréstimos ao filho do presidente executivo, com perdão de juros; empréstimos a sociedades ‘offshore’ que usavam os fundos mutuados para subscreverem aumentos de capital no banco; entre outras tropelias. Noutro banco, mais pequeno, a mistura entre política e negócios era célebre, com negócios opacos em série, activos “extravagantes” em vez de crédito ou depósitos. Esperaria o leitor que um supervisor que não supervisione fosse reformulado por inteiro, incluindo a sua equipa de alta direcção. Que práticas e procedimentos fossem revistos de forma criteriosa. Ao invés, o supervisor sujeita a consulta pública um “Aviso” em que pretende regular a publicidade dos bancos do país em causa! Qual panaceia dos males que o afligiam…Aqui chegados bem nos lembramos de como regimes e sistemas políticos, não concorrenciais, actuam no sentido de limitar a liberdade de expressão ou de opinião na vida cívica e política. E como na esfera empresarial apertam a malha sobre a comunicação empresarial, a publicidade e demais formas de contacto entre as empresas e seus potenciais ou actuais clientes. O mesmo raciocínio bafiento que o “consumidor” (ou o “povo”) não tem capacidade de discernimento suficiente. Claro que na esteira do grande paladino actual da “democracia”, também aqui o método é de estilo “bolivariano revolucionário”. Uma ideia singular: a publicidade, tal como a liberdade de imprensa, é nefasta para os consumidores…que têm que ser protegidos a todo o transe. Claro que todos os estudos académicos que provam que a publicidade aumenta o nível concorrencial e faz baixar os preços foram ignorados…Em sentido literal, o “Aviso” em consulta pública levará, se não for modificado, a que os ‘disclaimers’ e ‘disclosures’, da comunicação das instituições financeiras, sejam de tal maneira extensos e de relevada importância que a publicidade radiofónica, televisiva ou na imprensa, seja inviável do ponto de vista de inserção de conteúdos informativos. A mera menção a uma taxa de juro obrigará a citar o período de aplicação, se é de cariz temporário ou permanente, qual a taxa anual efectiva global… A consequência será a de que o Sector Financeiro irá ter mais dificuldade no seu papel formativo (sim, a publicidade informa e forma, tanto mais quanto mais intensa for a concorrência). E então teremos que também os bancos ver-se-ão restritos a seguir a esteira das telecomunicações ou dos brinquedos: cariz lúdico, humor, “felinos” em catadupa…E para completar o ramalhete, o digníssimo supervisor atribui igual “gravidade” às campanhas de incentivo à poupança que ao crédito. Ambas sujeitas aos mesmos requisitos de “sanidade”. Afinal nada de mais natural num país com uma das mais altas taxas de endividamento da Europa, com uma taxa de poupanças baixa, onde o crédito mal parado está a crescer a 30% ao ano…E, paradoxalmente, onde os operadores telefónicos e internet, localizados ‘offshore’ (afinal o mesmo paradigma das casas de apostas desportivas…) fazem impunemente campanhas de crédito de adesão instantânea, sem comprovativos de rendimentos ou bens…Um ‘subprime’ de crédito ao consumo em potência….Para acabar, o mesmo supervisor tem a peregrina ideia de pretender substituir a imprensa livre e as associações de defesa dos consumidores, através da publicação de preçários e de comparações entre produtos. Um caso clássico em que a má moeda (supervisor inapto) expulsa a boa (imprensa livre e associações de consumidores)? Como é fácil de perceber, esta “estória” é uma ficção…

www.antonuco.blogspot.com www.marketinginovador.com
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Paulo Gonçalves Marcos, Economista ‘marketeer’ e professor universitário

Comentários
Paulo Curto de Sousa (curtodesousa@gmail.com)
Absolutamente de acordo. Será que em outros países europeus é também assim? Garanta-se a informação mas deixe-se espaço à criatividade. Afinal um bom anúncio, além de dar a conhecer, também deverá fazer gostar e fazer agir. E de uma forma eficaz e economicamente viável. Abraços.
antonio duarte
Pobre de nós que a nuvem é tomada por Juno.
Célia Ramos
Artigo denso mas ainda assim um colunista que se destaca por nao falar de lugares comuns.
Paulo Lage (paulo.d.lage@gmail.com)
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra!Passou-se de uma supervisão muito liberal para a regulamentação absoluta.O facto do aparecimento de alguma publicidade agressiva e enganosa levou à soluçao de controle mais facil e politicamente mais visivél.É tambem certo que com as facilidades acrescidas de acesso ao credito por parte dos bancos e o apelo ao consumismo exacerbado com que somos bombardeados todos os dias faz de uma parte dos consumidores menos esclarecidos e mais influenciaveis perfeitos "patos".O problema é que a dimensão da situação se esta a tornar , mesmo para os bancos dificil de controlar e , á boa maneira Portuguesa:" casa roubada , trancas(alarme,videovigilancia e que mais haja) á porta"! Parabens pelo artigo!!
Anabela Faro
Professor, vivemos numa fase de propaganda. Os ministros a entregarem computadores a criancinhas...os reguladores a fingirem que regulam...
Pedro V. Matos
paulo ja tinha lido hoje o teu artigo, que achei fabuloso..mas noa tinha ainda tido tempo de te enviar um email..
RAF (rodrigo.adao.fonseca@gmail.com)
Paulo, Excelente artigo:) Uma das dificuldades mais dificeis de ultrpassar está na esperança que tantas pessoas depositam no regulador, essa figura supra-humana, com olhos de lince, que justifica a sua existência na imposição de trâmites burocráticos (ou serão "burrocráticos"), e que é capaz, do alto do seu posto de vigia, de monitorar a realidade e milhões de operações que diariamente se articulam. Uma regulação subsidiária da auto-regulação, focada no que importa (atenção nos focos de ganância e nos conflitos de interesse), que é o que eu defendo, é considerada uma "ideia radical". O que está a dar é sermos todos vigiados por um big brother, que tudo quer ver, e que rapidamente será aprisionado por gente que só actuará, enquanto "regulador", quando isso interessar aos interesses particulares de quem, ao momento, tiver ascendente. Ab RAF
Raquel S.
Gostei do artigo. Confesso que esperava a sua reacção apaixonada (no final de contas também está desse lado da barricada...) Mas a minha reacção (também apaixonada...) é de que uma maior transparência na publicidade dos bancos beneficia o cidadão comum. Sinceramente. É a minha opinião de cidadã e de consultora de estratégia. Não tenho pena da Banca de retalho, digo-lhe... Conheço poucas actividades onde por exemplo, ajustes de tarifário, que passam despercebidas ao consumidor 99,9% das vezes, podem ser usados como alavancas faceis de receitas. Com a informação que os bancos têm dos consumidores podem trata-los como verdadeiros fantoches... não é verdade? Já vi cada coisa... Para já não falar que há muito pouca gente que de facto saiba quanto paga pelos produtos bancários que tem... Bem, deixo-lhe a provocação! Mas concordo consigo no restante... medidas deste tipo não são resposta capaz e desejada aos problemas de supervisão do sistema
Raquel S.
Gostei do artigo. Confesso que esperava a sua reacção apaixonada (no final de contas também está desse lado da barricada...) Mas a minha reacção (também apaixonada...) é de que uma maior transparência na publicidade dos bancos beneficia o cidadão comum. Sinceramente. É a minha opinião de cidadã e de consultora de estratégia. Não tenho pena da Banca de retalho, digo-lhe... Conheço poucas actividades onde por exemplo, ajustes de tarifário, que passam despercebidas ao consumidor 99,9% das vezes, podem ser usados como alavancas faceis de receitas. Com a informação que os bancos têm dos consumidores podem trata-los como verdadeiros fantoches... não é verdade? Já vi cada coisa... Para já não falar que há muito pouca gente que de facto saiba quanto paga pelos produtos bancários que tem... Bem, deixo-lhe a provocação! Mas concordo consigo no restante... medidas deste tipo não são resposta capaz e desejada aos problemas de supervisão do sistema
AA
Muito interessante. Concordo com a primeira parte, de facto vive-se um clima de impunidade a todos os níveis, e quem regula prefere uma abordagem "laissez faire et laissez passer". Em relação à publicidade dos bancos devo dizer que acho que é necessário uma maior regulação deste tópico, não são poucas as pessoas que me dizem "Aquele banco/ aquele produto oferece 10%" como é obvio eles não percebem que "não há almoços gratis" o que se ganha de um lado tem que se pagar de outro... Acho por isso que a publicação dos prazos das taxas importantes, acho também importante outra medida mencionada no projecto para consulta pública, a regulamentação da utilização de palavras como "Grátis" e sinónimos.
Carlos Gonçalves (cg@espacoavila.com)
Um dos fenómenos mais aflitivos é sem dúvida a promoção do crédito por via de publicidade enganosa e sem critérios de rigor na informação que é prestada ao consumidor. Para o bem de muitas famílias sem formação, e para o bem de todos, seria necessário um maior controlo destas acções.
Teresa Loureiro
Muito obrigada, vai dar algum jeito de facto :). Não perco esperança de o vir a ter como "meu" autor. Não quer mesmo pensar nisso? Dávamos a volta ao mercado...
Ana P.
Óptimo artigo e infelizmente nada fictício. Devo confessar que ando um pouco alarmada com esta crise financeira, especialmente desde que vários orgãos de comunicação social começaram a explicar o que acontece se o nosso banco for à falência. Ponho-me a pensar se tanta informação não quer dizer qualquer coisa...má. Não sei que fazer ao dinheiro, apetece-me levantar tudo e meter debaixo do colchão...
Luis Rasquilha (lrasquilha@gmail.com)
boa Paulo Abraço Luis

1 comentário:

Maria Spínola disse...

Viva Paulo,

Excelente artigo!

Ouvi dizer que uma das causas, mas não a principal, da crise financeira actual nos EUA, se deve ao facto de os funcionários não estarem ao corrente de todos os novos produtos financeiros, cada vez mais complexos, difíceis de entender, até pelos próprios funcionários, que os vendiam aos clientes.

Não será essa uma das razões das tantas tropelias existentes na banca portuguesa que descreves na primeira parte do teu artigo? Just kidding :-)

Em relação à medida do supervisor de criar o “Aviso”, em que pretende regular a publicidade dos bancos, para resolver essas tropelias... bem, sem comentários!

Mas dado que esse "Aviso” em que pretende regular a publicidade dos bancos, para além do que escreveste no teu artigo, deixo aqui mais umas perguntas:
- Em que medida essa nova regulação vai aumentar a taxa de clientes promotores e/ou detractores desses mesmos bancos?
- - Saberá a banca responder à pergunta que encontram em http://crescimentoempresas.blogspot.com/2008/09/psst-os-seus-clientes-adoram-no-ou.html

Muito Obrigada, e podem contar comigo no que eu lhes puder ser útil,
Maria Spínola
http://www.crescimentoempresas.com