A força dos Bobos - Dos EUA para a Europa (publicado em Novembro de 2000)
Foi publicado há poucas semanas atrás, nos Estados Unidos da América, o livro “Bobos in Paradise”, pelo conceituado jornalista David Brooks. Nele faz uma análise cómico-sociológica da nova elite estado-unidense, os Bobos.
Bobos, abreviatura de "Burgeois and Bohemian", procura retratar a emergência de um grupo social, dominante, de que George W. Bush ou Al-Gore tão bem personificam do ponto de vista político. São a nova elite americana que, ao contrário das outras que a antecederam, não assenta em laços sanguíneos (não obstante os candidatos Bobos, Bush e Al-Gore serem filhos da velha elite Protestante e Branca, hereditária e não meritocrática…) ou em "conexões" (por cá há que lhes chame de Fundações) mas no Mérito. Tipicamente são indivíduos dotados de inteligência superior e que graças a ela conseguiram entrar, como estudantes, nas mais famosas universidades. Daí catapultaram-se para as posições de topo, no mundo de negócios, nas academias, no jornalismo, nas artes e nas ciências.
Produto dos "loucos anos sessenta" conseguiram conciliar os valores típicos da contracultura hippie, mormente a autenticidade, a espontaneidade e a creatividade, com os valores típicos da burguesia, mormente a disciplina, e a ética de trabalho.
O trabalho é encarado como um prolongamento da sua própria personalidade e não espanta, por isso, que se lhe dediquem com entusiasmo inebriante, levando as empresas norte-americanas à liderança mundial, sector após sector.
Da religião apreciam os rituais e o sentido comunitário que esta propiciona, mas não os preceitos que chocam contra os seus valores de liberdade de escolha ou as suas crenças mais profundas (passagens sobre a única e verdadeira religião ou sobre o papel menor das mulheres, são, por exemplo, desprezadas).
Quanto à política manifestam aquilo que Edmund Burke (Inglaterra, século XVIII) ou Michael Oakshott (Inglaterra, século XX) chamam de Disposição Conservadora. Apesar de descenderem das correntes liberais americanas dos campus universitários (o equivalente em Portugal será a geração estudantil MRPP), manifestam-se arreigados às instituições sociais e políticas que conhecem e rejeitam grandiosos esquemas teóricos, nunca testados, de revolução social. Preferem a reforma por pequenos e experimentais passos. Politicamente deram origem à terceira via de Clinton ou Blair (de que Guterres e Aznar são os correspondentes peninsulares) ou, agora, ao Compassionate Conservatism de George W. Bush
Mas é nos seus hábitos de consumo que esta geração mais influencia a sociedade americana. Procuram, incessantemente, tudo o que é natural, vindo de sítios pouco alterados pela civilização moderna. Adoram produtos com texturas, rudes, simples mas muito caros. Percepcionam vulgar alguém gastar dinheiro num Mercedes mas muito saudável e natural fazê-lo num Jeep ou Land Rover. Também é vulgar gastar dinheiro em luxos mas não se importam de pagar fortunas por tudo aquilo que eram, até então, necessidades básicas. Bebem cafés especiais que custam seis vezes mais que o normal. Fazem da bebida do chá, de variedade exótica, um ritual mágico e religioso, como se tudo aquilo em que tocassem passasse de profano a religioso. Compram casas de férias nas regiões montanhosas. Adoram calçar botas de montanha mesmo em plena cidade e estão sempre preparados para a próxima tempestade de neve.
Vivem e trabalham em pequenas cidades, do litoral ao interior, tipicamente com uma Universidade como motor social a que se juntam empresas de software, padarias sofisticadas e lojas de vestuário e calçado (em que os produtos exibem profusamente etiquetas com palavras como Gore-Tex ou Teflon) para desportos radicais. As regiões onde se instalaram transformaram-se em líderes mundiais de actividades económicas em sectores tão diversos como a alimentação biológica, o software, os gelados de tipo artesanal, a edição livreira ou o treino desportivo de atletas de alta competição (Rosa Mota, relembre-se, passava longas temporadas em Boulder, uma cidade do interior profundo mas Bobo da América).
E a Beira Interior portuguesa, poderá capitalizar nesta tendência sociológica? Afinal Coimbra e Salamanca provaram, na idade média, que interioridade, economia do saber e prosperidade eram tudo elementos da mesma combinação.
Novas infraestruturas rodoviárias e ferroviárias e uma rede de banda larga de internet, acopladas ao saber das Universidade da Beira Interior e aos Institutos Politécnicos, uma vigorosa preservação da arquitectura tradicional, um aproveitamento decente do potencial paisagístico da região e uma política fiscal mais estimulante (voltaremos ao tema da fiscalidade como ferramenta do desenvolvimento regional num próxima número) poderão possibilitar à região aproveitar a vaga emergente dos Bobos portugueses (que começam a ter massa crítica económica em Lisboa e Porto). Que dezenas de Sortelhas, Monsantos, Linhares ou Termas de Monfortinho floresçam todo o ano!
Paulo Gonçalves Marcos
Economista, Gestor e Professor Universitário
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